Será muita audácia me sentir amiga de Clarice Lispector?
Em um de seus textos, ela traz o tema da insônia*, que já fazia parte de sua rotina. E de tanto ter, desistiu de brigar com ela. Então, na hora em que acordava, em geral, por volta das 02h00, e se percebia sem sono, levantava-se, tomava seu banho, colocava a mesa e ia fazer seu desjejum, ainda de madrugada…. e ali, começava seu dia!
Pois bem, Clarice, somos duas! Desisti de sentir raiva de mim, por não estar conseguindo dormir, e resolvi usar a insônia a meu favor.
A diferença entre nós é que eu não acordo tão no meio da noite, como você, nem tenho o mar à minha frente para assistir o nascer do sol.
Também não fico torcendo para que o dia chegue, como você fica, é exatamente o contrário, torço para que o sol demore um pouquinho mais, pois é um silêncio que me faz sentir uma deliciosa sensação de paz!
Um silêncio muito acolhedor! Sem ruídos, sem solicitações no WhatsApp a serem atendidas… Nada!!
De repente, vejo-me diante do Nada! Olha só que delícia!! Nada para me atrapalhar o raciocínio e minha entrega à tese!! Isso é muito raro! “Ninguém me interrompe o nada.”, como diz Clarice.
E aqui vem o que nos aproxima: também tenho a sensação de que o mundo é todo meu! “Toda sozinha no mundo!”, como ela diz. Uma sensação impagável de inteireza!
Clarice chama a insônia de feliz e infeliz, eu a chamo de amiga. É ela que tem me ajudado a escrever de modo mais concentrado, e com isso, tenho me percebido cada dia com um peso a menos nas costas, pois quando o sol nasce, eu já me conectei com a tese e nada mais tira o meu raciocínio.
O Sol nasce, os passarinhos cantam (isso eu tenho só pra mim, Clarice, os passarinhos!) e o dia começa para o mundo, mas para mim, ele apenas continua.
* Clarice Lispector, no livro “A descoberta do mundo”. Rio de Janeiro: Rocco, 1999
Inspirada no texto de Clarice, cujo link segue abaixo:
Foto de cottonbro studio: https://www.pexels.com/pt-br/foto/cama-leito-confortavel-aconchegante-6717417/
