Utilizando a poesia como recurso para as travessias existenciais

Vida que me chamou

Para decisões rápidas aqui…

Escolhas difíceis acolá.

Mal dormidas noites e

Cansativos dias para

O aprontamento da quarentena.

Confiar que tudo se reorganiza

Da melhor forma:

a possível para o momento.

E fazer o que me compete.

Afinal, buscar a luz

é uma lei da própria

Vida que me chamou.

Em 18 de Março deste ano, iniciei em Fortaleza, Ceará, Brasil, minha jornada de isolamento social por conta da Pandemia. A Covid-19 assolou o mundo inteiro, escancarando a nossa pequenez e interdependência, se tornando o maior evento mundial de 2020.

Sem aviso prévio, tivemos uma brusca interrupção em nossos movimentos. Literalmente. O isolamento social alterou as nossas possibilidades de fazer escolhas de mobilidade. De uma certa forma, nossas pernas foram “tiradas”. Continuamos a pensar, a sentir e a fazer as coisas necessárias e básicas para o nosso dia a dia. Já não podíamos ir e vir para qualquer lugar e nem da mesma forma. Assim, a Pandemia afetou todo o mundo e cada ser humano afetado, de uma forma ou de outra, uns mais outros menos, precisou fazer escolhas para sobreviver a este trauma coletivo.

Como acredito profundamente na arte como possibilidade de ressignificação dos sofrimentos humanos, utilizei-a comigo mesma: me acolhi e me ressignifiquei através da Literatura, da escrita, do desenho e da   culinária. Sempre foram os meus recursos internos.

Acolhi meu sofrimento emocional e busquei transmutar minhas dores – como já fiz em tantos outros momentos de perdas profundas, através dos meus recursos internos: escrever, cozinhar, desenhar.

A escrita me salvou várias vezes. Assim como o desenho e a cozinha me ajudaram muitas e muitas vezes na transmutação das minhas angústias. Olhar os recursos disponíveis à minha frente (computador para a escrita, pastel a óleo, papel canzon ou massas, carnes e temperos) e vê-los transformados em poesias, desenhos ou pratos deliciosos, me alegraram, fizeram eu me sentir   viva e em paz comigo mesma.

Iniciei mais uma nova jornada para dentro da minha alma – o lugar onde eu podia me mover com liberdade. Dentro de mim mesma, fui buscar meus recursos de sobrevivência ao caos instalado dentro e fora de mim.

Aquieta-se

Inquieta e triste.

Cala-se

Silenciosa e magoada

Chora

Aquieta-se.

Escolhi aproximar do possível o que me parecia, de antemão, improvável: passar pelo isolamento social sem grandes tormentos, ficando apenas com os tormentos inevitáveis.

Cuidei das minhas dores, já antigas, sossegando na paz da minha casa, reconsiderando alguns valores, enfrentando a minha solidão, e, sobretudo, não perdendo a confiança de voltar a abraçar, sem medo, as minhas pessoas queridas, quando tudo passar. Porque vai passar.

Dentro de mim

Movo o não tempo

A cumprir.

Encontro feridas

Ardidas.

Sem tempo

Para ungir.

Toco em memórias

De histórias

Guardadas

Caladas

Dentro de mim.

No primeiro momento, imagino que para todas as pessoas, fiquei em choque. Como assim, não posso sair de casa? E a minha família?  Meu trabalho? E os meus planos e projetos? Foi a pergunta inicial. 

Passei os primeiros dez dias do isolamento, respirando em minhas inquietações e buscando entrar em contato com a nova configuração que se apresentava à minha frente. 

Depois entrei na fase de fazer negociações comigo mesma: posso fazer isto, não posso assim… mas quem sabe de outro jeito… Coisas assim… Não senti raiva…Senti tédio…Angústia…Uma profunda tristeza.

Com micropassos, iniciei o processo de   aceitação do novo momento. Já que é assim, o que eu posso fazer para que esta travessia seja feita da melhor forma? 

Como posso tornar este momento menos doloroso?

Que recursos internos e externos eu possuo para fazer esta travessia que se atravessou em meu caminho assim, tão de repente, e que eu não tinha escolhido?

Aos poucos, fui elaborando o luto pelas minhas perdas: clientes, aulas, contato com família e amigos, autonomia da mobilidade.  Perdi os almoços de Domingo com meus filhos, e isto foi, e continua sendo, o que mais me faz falta. Dentre todas as perdas esta foi a mais dolorosa e a mais difícil: me encontrar com os meus filhos, abraçá-los, conversar sem temor de transmitir ou ser contagiada.

Dou-me conta,

Mais e mais,

Da importância

Dos instantes

Do ordinário

Do cotidiano

Do presente

Dou-me conta

Devagar, fui também me dando conta da oportunidade de criar coisas inteiramente novas. Como fazer consultas por chamada de vídeo, aprender a lidar com as plataformas para dar aulas remotas e até a gerenciar a minha empresa no formato online, dentro do que podia ser assim.

Foram descobertas e redescobertas. Encontrei os encantos e os desencantos da nova situação. Precisei fazer ajustes e rompimentos em minha rotina, em minha forma de trabalhar e de estar no mundo.

Encontrei o sentido de muitas coisas da minha vida e, também me dei conta da completa falta de sentido de muitas outras.

Aceitar a minha impotência, a minha vulnerabilidade e a minha, esquecida, pequenez foi fundamental neste processo de autocuidado.

E tem dia que

Levantar-se da cama

Sacudir a moleza

Dar uma volta pela casa

É só o que pode para fazer.

Tem dia que

Lagrimas vem

Saudade bate

Medo se acerca

Depressão espreita.

Tem dia que

Esperança acena

Ânimo volta

Paz retorna.

E tem dia que…

Tive também, a oportunidade de exercitar a generosidade, a solidariedade, a humildade e de honrar a grandeza da vida. Encontrei a minha sombra e a minha própria luz.

Entre

Acertos

Desacertos

Suores

De amores

E de dores

Entre

Risos

E lágrimas mil

Bem e mal

Sobrevivi

Entre infinitos

Desacertos e

Acertos.

No meio deste caos, me fiz, novamente, perguntas fundamentais: 

Quem sou eu realmente? 

O que quero de mim mesma? 

Como quero viver o tempo que já nem sei se tenho?

O que fazer com a imagem que criei de mim para mim mesma?

O que faz sentido para mim?

Sem romantizar a Pandemia, estou tendo a preciosa oportunidade de radicalizar aprendizados:

01: Nada é para sempre

Nem todo dia está tudo bem

Mas isto passa.

E passa também

O dia em que

Está tudo bem.

02. “Eu sou as minhas escolhas “.

Nada

 volta

para o ponto

 inicial.

Quando voltamos

 para o mesmo

 ponto,

Significa que

 Aprendemos

  NADA

03. Quanto mais eu me conheço, mais eu reconheço minhas necessidades, integro minhas polaridades e acolho tudo que eu sou. E é só (?) o que posso fazer.

Sou graça

Sou feita de alegrias e sonhos.

Sou renúncia

Sou feita de separações e abandonos.

Sou fortaleza

Sou feita de pedregulhos e durezas.

Sou União,

Sou feita de aconchegos e cuidados.

Sou travessia

Sou feita de distancias e saudades.

E isto é tudo. Gratidão